quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Eterno Retorno versus um tempo perdido

O eterno retorno é uma ideia misteriosa de Nietzsche que, com ela, conseguiu dificultar a vida a não poucos filósofos: pensar que, um dia, tudo o que se viveu se há-de repetir outra vez e que essa repetição se há-de repetir ainda uma e outra vez, até ao infinito! Que significado terá este mito insensato?
O mito do eterno retorno diz-nos, pela negativa, que esta vida, que há-de desaparecer de uma vez por todas para nunca mais voltar, é semelhante a uma sombra, é desprovida de peso, que, de hoje em diante e para todo o sempre, se encontra morta e que por muito atroz, por muito bela, por muito esplêndida que seja, essa beleza, esse horror, esse esplendor não têm qualquer sentido....
Se a Revolução Francesa se repetisse eternamente, a historiografia francesa orgulhar-se-ia com certeza menos do seu Robespierre.... há uma enorme diferença entre um Robespierre que apareceu uma única vez na História e um Robespierre que eternamente voltasse para cortar a cabeça aos franceses....

Poderá então condenar-se o que é efémero? As nuvens alaranjadas do poente iluminam tudo com o encanto da nostalgia; mesmo a guilhotina....

Se cada segundo da nossa vida tiver de se repetir um número infinito de vezes, ficamos pregados à eternidade como Jesus Cristo à cruz. Que ideia atroz! No mundo do eterno retorno, todos os gestos têm o peso de uma insustentável responsabilidade.
Era o que fazia Nietzche dizer que o eterno retorno era o fardo mais pesado.
Mas será o peso atroz e a leveza bela?
O fardo mais pesado esmaga-nos, verga-nos, comprime-nos contra o solo. Mas, na poesia amorosa de todos os séculos, a mulher sempre desejou receber o fardo do corpo masculino. Portanto o fardo mais pesado é também, ao mesmo tempo, a imagem do momento mais intenso da realização de uma vida. Quanto mais pesado for o fardo, mais próxima da terra se encontra a nossa vida e mais real e verdadeira ela é.

Excertos de a Insustentável Leveza do Ser de Milan Kundera

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