domingo, 21 de fevereiro de 2010

Aforismos de Agustina Bessa Luís

As primeiras impressões não são decisivas. Às vezes são fatais mas não decisivas.

Humilde é a pessoa que não afasta de si a crença do Infinito, a realidade das suas pequenas pegadas na vida - e não aquela que se desmerece, que insulta o seu corpo e a sua alma, que se enfurece contra si mesma. Aceitar a sua humilhação é consentir na humilhação do seu próprio Deus.

As guerras não surgem por motivos económicos ou passionais. É uma atitude de indivíduos abandonados à razão, incluindo a razão do seu mundo interior isolada do mundo exterior.

A frivolidade é também uma forma de hipocrisia porque as pessoas não são aquilo. A pessoa, quanto mais frívola nos parece, mais esconde a sua natureza profunda.

A essência das coisas não está na filosofia, nem na política, nem em qualquer função intelectual. Está na reciprocidade do inconsciente que não encadeia só o que é humano, mas até o que é apenas vegetal ou inerte.

Custa tanto escrever um bom livro como um mau livro; mas só merece respeito a Arte que é em nós uma imposição, um destino, um fogo inconsumível de espírito, ainda que a obra, relativa à nossa exigência, nos pareça medíocre.

Mas o que são os vaidosos senão os que temem a sua nudez? Os que evitam o retrato da alma para não lhes descobrir tormento e debilidade?

É extraordinário como nos tornamos violentos quando queremos agradar ao mundo. Agradar ao mundo resume o comportamento da sociedade nos seus aspectos mais retóricos.

A intimidade excessiva desencadeia a hostilidade.

Eu admiro os grandes parados. Em geral são pessoas de grande perspicácia. O movimento produz calor, mas não aguça a inteligência.

Eu acho que não há inteligência sem coração. A inteligência é um dom, é-nos concedida, mas o coração tem que a suportar humildemente, senão é perfeitamente votado às trevas.

Pode-se não recordar os insultos; mas guarda-se deles um amargo de experiência, feia como uma cicatriz. E isso envelhece a alma, torna-a ruinosa e inútil.

A infância vive a realidade da única forma honesta, que é tomando-a como uma fantasia.

Não há exemplo duma ideia que, por excelente que seja, se desenvolva ao nível do quotidiano. Sofre de toda a espécie de mutações antes de entrar na carreira do lugar-comum, que é onde acabam todas as grandes ideias.

O humor ilude-nos como uma faísca num campo escuro. A verve um tanto imoderada, uma corrupção do sentimento que se faz galhofa, um medo de ganhar nome de suspeita virilidade. Quem não troça é beato ou é eunuco.

O humor é, nas pessoas, um elemento terrivelmente desconhecido. Pode unir um povo inteiro como o não fazem os costumes e a própria língua.

Na nossa sociedade, que se entende por permissiva, não há afinal homens exemplares. Há só leis que substituem o exemplo; há só alíneas morais que estão em vez dos actos reais e da sua humanidade.

O importante é não perder o estilo, e, se possível, não perder o dinheiro também. Porque o estilo sem dinheiro é uma infiltração do mau gosto.

Parte da originalidade dum escritor depende das fontes dos seus plágios. É preciso dominá-las bem para poder usá-las da maneira mais convincente.

O homem faz tentativas duma obra, a mulher opera sem necessidade de completar alguma coisa. Ela é um ser completo, princípio e fim, lugar, caso, dispersão do conflito em que a própria morte se descreve, se anuncia.

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