quarta-feira, 12 de maio de 2010

Bento XVI, magnífico "fazei das vossas vidas lugares de beleza"

Já na sua homilia no Terreiro do Paço, perante uma assistência de perto de 200 mil pessoas, o Santo Padre tinha recordado o papel histórico de Portugal na difusão da fé cristã e reforçou a importância de Jesus Cristo no centro da vida dos católicos, realçando que tal ganha especial importância no actual contexto nacional. Mais tarde, sendo subtil, mas também bastante directo, afirmou que não há forças que destruam a igreja católica. Todos aplaudiram.

No CCB, perante uma plateia de convidados ligados à vida cultural e social do país, Bento XVI foi mais explícito, quando abordou a "crise da verdade". Bento XVI defendeu que o conflito entre “presente e tradição”, na sociedade actual, levou a uma “crise da verdade”. Falando perante representantes do mundo cultural português o Papa referiu que “a missão ao serviço da verdade” é “irrenunciável” para a Igreja. Para que fique claro. É à luz desta verdade, e não abdicando dela que depois Bento XVI reconheceu ainda que que a Igreja tem de aprender “a estar no mundo, levando a sociedade a perceber que, proclamando a verdade, é um serviço que a Igreja presta à sociedade, abrindo horizontes novos de futuro, de grandeza e dignidade”. Este diálogo deve acontecer “sem ambiguidades” e respeitando “as partes nele envolvidas” (alguns jornais substituiram isto por "outras verdades"), algo que o Papa considerou “uma prioridade para o mundo de hoje, à qual a Igreja não se substrai”.

“Um povo, que deixa de saber qual é a sua verdade, fica perdido nos labirintos do tempo e da história, sem valores claramente definidos, sem objectivos grandiosos claramente anunciados”. Esta frase dirigida ao mundo cultural tem um propósito. A defesa de que a verdade está em Cristo (cuja palavra está revelada nos evangelhos) é o cerne de todo o discurso do Santo Padre. Bento XVI apelou aos autores da arte e cultura que não temam ser católicos, e que o expressem.
Na plateia, como artistas convidados, estavam o ancião cineasta Manoel de Oliveira (porta-voz), Rui Vilar, Glória de Matos, Pedro Mexia, Joana Carneiro, Guilherme de Oliveira Martins, Graça Costa Cabral, João Lobo Antunes, entre outros. (Faltou Agustina Bessa Luís, digo eu, mas a sua condição física pode explicar essa ausência).
A cerimónia contou com uma saudação de D. Manuel Clemente, presidente da comissão episcopal responsável pela área da cultura.
Manoel de Oliveira defendeu que a religião e a arte estão "viradas para o Homem e para a essência divina" e referiu que o “cristianismo foi pródigo em expressões artísticas”. A arte como tentativa de resposta ao sentido da vida, foi o mais importante do discurso do mais importante cineasta português.
Bento XVI manifestou “admiração e afecto” pelo centenário cineasta. Nestes discursos, disse o Papa, transpareceram “ânsia e disposições da alma portuguesa no meio das turbulências da sociedade actual”. “Esta é uma hora que reclama o melhor das nossas forças, audácia profética, capacidade renovada de "novos mundos ao mundo ir mostrando", como diria o vosso Poeta nacional”, afirmou, citando uma passagem de “Os Lusíadas”, de Luís de Camões.
Como aconteceu no primeiro dia de visita, Bento XVI evocou a epopeia dos Descobrimentos e a marca cristã na “tradição cultural portuguesa”.
Disse que os descobridores e missionários eram movidos por “um sentido de responsabilidade global” que nasce da “milenária influência do cristianismo”. O ideal cristão da universalidade e da fraternidade inspiravam esta aventura comum, embora a influência do iluminismo e do laicismo se tivesse feito sentir também”. Esta tradição originou “aquilo a que podemos chamar uma "sabedoria” que não deve ser esquecida.
O Papa que fala seis línguas, é pianista e tem preferências por Mozart e Bach, que é membro de várias academias científicas da Europa, como a francesa Académie des sciences morales et politiques, e recebeu oito doutorados honoríficos de diferentes universidades, entre elas da Universidade de Navarra, disse no CCB que a fé é a única que satisfaz a inteligência e pacífica os corações. Autor de livros onde se debruça sobre um dos desafios culturais mais importantes actualmente que é a relação entre fé e razão, Bento XVI é o exemplo vivo dessa harmonia entre razão e fé, "dimensões do espírito humano, que se realizam plenamente quando se encontram e dialogam" segundo as suas palavras.

"Ao mesmo tempo, contudo, deve-se admitir que a tendência a considerar verdadeiro só o que se pode experimentar constitui um limite para a razão humana e produz uma terrível esquizofrenia, evidente para todos, pela qual convivem racionalismo e materialismo, hipertecnologia e instintos desenfreados", já disse Bento XVI.

A inteligência que não percebe o papel infinito do amor (e Deus é amor) e do bem nas sociedades humanas, tal como Cristo o demonstrou, não chega a ter terceira dimensão, fica-se pela aparência, ou como diria Boris Vian, fica-se pela "espuma dos dias".

Bento XVI terminou o seu discurso no CCB dizendo "fazei coisas belas, mas essencialmente fazei das vidas lugares de beleza".
Beleza, estética e ética, uma triologia defendida no CCB.

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