quarta-feira, 10 de março de 2010

O que é uma pressão?

Num tempo em que há escutas telefónica a relatar tentativas de pessoas com poder, qualquer que ele seja, de condicionar a imprensa, convém que sejam os jornalistas a falar do que é isso da pressão. Toda a gente diz que sempre houve pressão por parte dos políticos, dos empresários, no limite, de todas as pessoas que são alvo de notícia. Dúvidas houvesse, e estão aí as agências de comunicação para o provar.
Mas também é verdade que o problema não está na tentativa de pressão, mas sim na eficácia dessas tentativas, ou seja na cedência a pressões. É verdade, mas só até certo ponto. Também é verdade que quem diz isso quer obviamente pôr o ónus da culpa nos jornalista.
E isso parece que é assim, parece, mas não é.
Não são só os telefonemas directos do primeiro ministro, ou não são de todo esses telefonemas, se os jornalistas, e em particular os Directores, não cederem 'em toda a linha editorial'.
O que pressiona é a mudança de propriedade. De repente um canal de televisão, um jornal, etc, é comprado por partes relacionadas com o Governo, ou com outro qualquer protagonista de poder, não importa qual, e os jornalistas sentem que já não podem escrever livremente sobre um determinado assunto, sob o perigo de ficarem sem emprego. Não são os telefonemas, é a possibilidade de se ficar sem emprego se se continuar a investigar um determinado assunto, que pressiona. É por isso que é preciso uma autoridade com poderes reais para defender os jornalistas, incluindo, e assim for preciso, do próprio canal de televisão ou jornal onde trabalha. Só assim se garante a liberdade de imprensa num país que é curto em capacidade financeira para ser independente do poder.
É também importante dizer que Portugal é um país de 'cunhas', sem elas é impossível existir aqui, pelo que há poderes invisíveis que pressionam. São aquelas teias de relações que não estão instituídas formalmente e que de repente se fazem sentir. Essas nunca vão ser provadas, nem demonstradas em comissões de ética.
Há ainda outra forma de asfixia democrática, esta mais difícil de contornar. Estou a falar na ditadura do pensamento único, que é legitimado pela imprensa. A própria imprensa contribui para a asfixia democrática, ao condenar, ridicularizando, as ideias que não coincidem com as que querem instituir na opinião pública. A imprensa contribui para a formação de mentalidades, e não abdica desse papel, e aí não gosta do contraditório. É nas ideias feitas, que não podem ser rebatidas, que está também a asfixia democrática. A ridicularização de quem pensa de maneira diferente, para calar opiniões dissonantes é um método muito socrático, diria eu, mas deste Sócrates que temos cá por casa, não do outro, da antiga Grécia. Porque esse defendia precisamente que não déssemos por certo nenhum conceito, nem nenhuma certeza, pois só assim poderíamos chegar ao conhecimento .

Para finalizar quero dizer que sou jornalista de economia, sempre escrevi notícias incómodas. Comecei como jornalista no O Independente, que era um jornal incómodo. Lá escrevi uma notícia sobre uma construtora, que pôs a a sua realidade financeira, e que levou à falência da empresa, estou a falar da Somec.
Escrevi, já no Semanário Económico, sobre a Portugal Telecom (raramente o que escrevi agradou à empresa); escrevi notícias que não agradaram ao BCP de Jardim Gonçalves, ao BES, à EDP, and so on. Fui sempre pressionada, mas nunca tive medo das pressões. Nunca deixei de respeitar as pessoas/empresas sobre quem escrevi, nem eles a mim.
Finalmente, escrevi um livro sobre a crise do BCP, e recusei-me a alinhar pela opinião dominante. Fui fortemente criticada, a começar pela pessoa que convidei para apresentar o meu livro. Sofri as pressões das críticas que vinham de todos os lados, desde os reguladores, dos amigos, dos jornalistas, dos envolvidos na história. Arrisquei a escrever um romance sobre histórias contemporâneas, fazendo retratos de carácter de pessoas vivas. Fui criticada por o fazer, e só as vozes da crítica se calaram quando viram que o livro escorregava bem e tinha sucesso. E que afinal não ofendia ninguém. Nunca fraquejei.

Mas acho que nunca como hoje se sente tanto pudor na escrita, tanta contenção nas palavras usadas. Basta ler os jornais para sentir a "auto-censura". Nunca como hoje sinto que qualquer passo em falso pode ter um preço.
Hoje dou por mim a ter medo dos telefones poderem estar a ser escutados. Não mando mails que possam comprometer pessoas (desde que vi a baixaria do DN publicar um mail de um jornal concorrente, a divulgar a fonte de um jornal concorrente, em vésperas de eleições, e ainda por cima a ser elogiado por uma parte dos jornalistas, isso condicionou a minha liberdade de confiança)

A única coisa que ainda faço, e temo que não seja por muito tempo, é escrever a opinião em blogs e nas redes sociais,. E mesmo aí sinto as pressões do "politicamente correcto" que não admite desalinhados.

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